terça-feira, 3 de março de 2009

INFÂNCIA ROUBADA*

CÉSAR WILLIAM
(Poeta, professor de Língua Portuguesa e pesquisador - Concludente do curso de Letras do Cesti/Uema)


Na obra “Vidas Secas”, romance de Graciliano Ramos, detectamos um drama em torno de uma família simples, rústica, vítima da impiedosa tocaia do sertão e dos cruéis ditames coronelistas em meio à seca e suas conseqüências.
O livro, referencial das letras brasileiras, considerado pela crítica como um dos melhores romances da nossa literatura, traz como personagens centrais: Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois filhos (o menino mais velho, o menino mais novo) e a cadela Baleia.
Essa família de retirantes nos comove, cada vez que lemos a obra ou sempre que assistimos ao filme de homônimo. A forma desumana como Fabiano (o pai) e Sinhá Vitória (a mãe) tratam seus filhos é de deixar qualquer um contrariado.
Mas, a brutalidade entre os personagens tem justificativa: fome, miséria, falta de abrigo, educação e perspectivas conduzem os coitados por caminhos perigosos, na aspereza de um cotidiano doentio, desesperançoso.
E isso nos exaure do sentimento de ojeriza a Fabiano e à Sinhá Vitória, uma vez que estes são vítimas, não só da vida dura do sertão, mas também dos maus tratos sociais, da má política agrária e da desumanidade.
Entretanto, o que não entendemos mesmo é por que tantas crianças são vítimas de maus tratos, humilhações, todos os dia, pelos próprios pais ou por “responsáveis”, quando estes gozam de recursos, às vezes até assumindo cargos de destaque na sociedade.
Mais indignados ficamos quando vemos pessoas que passaram ou que passam constantemente por processos de aprendizagem, sob as mais variadas teorias, agredirem seus filhos sustentados pelos mais incabíveis e discrepantes álibis.
E com alguns pretextos, xingam, gritam, ameaçam, beliscam, estapeiam e alegam o que fazem em prol dos seus pimpolhos, como se isso não fosse tarefa de sua plena responsabilidade. Recentemente, presenciei uma mãe expor seu filho de apenas cinco anos de idade ao ridículo, simplesmente porque este lhe fez algumas perguntas, indagações típicas de qualquer criança da sua faixa etária. Ao chamar a atenção da genitora, ela disparou a seguinte frase, chavão dessas despreparadas criaturas: “O filho é meu!”.
Não quero, caríssimo leitor, encher esta página com exemplos de barbáries quanto aos maus tratos a crianças, assunto tão corriqueiro, infelizmente. Mas tentar sensibilizar alguns pais assassinos de infâncias, ladrões de alegrias e de ternuras e corruptores a que tenham o mínimo de senso em relação àqueles que puseram no mundo, pois amanhã esses meninos serão os reflexos do bom ou mau trato que recebem e nenhum presente caro ou roupinha bonita devolverá, jamais, sua infância roubada.

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*Publicado no jornal Tribuna do Maranhão (Edição de n° 31)

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