segunda-feira, 2 de março de 2009

CAMINHO DE RI(S)COS*

CÉSAR WILLIAM
(Poeta, professor de Língua Portuguesa e pesquisador -Concludente do curso de Letras do Cesti-Uema)

Sempre atentei para o perfil dos grandes escritores, sobretudo dos grandes poetas. Ainda menino, já observava que as letras pareciam ser o endereço somente dos elitizados. Homens letrados eram, ou de um meio social privilegiado ou tinham vínculos com este e através dele conseguiam se projetar. Iam à Europa, exerciam cargos importantes: diplomatas, juízes, cônsules, poliglotas tradutores, embaixadores, políticos etc.
Sobre isso, eu não estava de todo enganado. Nunca estive. Continua (quase) assim. Quando se descobre um desses grandes vultos das letras, raramente se detecta algum que venha verdadeiramente das bases. Quando não muito, salvam-se os que nela estiveram, mas que conseguiram mudar sua geografia.
Eis uma questão a ser discutida nas escolas, universidades, simpósios, fóruns e conferências: o difícil acesso que as classes desprivilegiadas têm ao mundo das letras. Não que as camadas menos favorecidas não produzam literatura de qualidade, porém pela discriminação que os escritores sem recursos econômicos sofrem por trazerem esse estigma.
E não adianta trazer à tona nomes como Lima Barreto, Machado de Assis nem citar os possíveis exageros de Humberto de Campos quanto ao seu “estado de miséria”, apresentado em suas memórias. Não! Poupemos esses nomes e outros raros. Olhe ao lado da sua casa, pode ser que haja um escritor ou um poeta que produza bons textos, mas não consegue publicá-los, porque está à margem do processo editorial. Pode até ser um autor promissor, mas não é esperado. É tido como louco. Talvez seja metido. Quem sabe plagiador. Um anacrônico. Um blefador ou mesmo um habitante do ócio.
Acontece que o caminho é labiríntico, é mesmo de riscos e parece que também feito para ricos, pois os pobres que tentarem perquiri-lo hão de ser resistentes além da conta e abrir suas próprias veredas. Terão que se deixar contaminar pelas palavras e ganhar, no mínimo, três habilidades: ser leitor voraz dos melhores escritores; ser escritor contumaz, permanentemente, ainda que um dia tenha que jogar no lixo toda a sua produção ou parte dela; não produzir para agradar à crítica ou a si mesmo, mas à magia do ato de escrever, pensando no leitor. E tudo isso deve ser somado à suprema convicção quanto ao árduo ofício do zelo à palavra escrita.
O segredo para quem se arriscar ao mergulho no oceano das palavras (sem escafandro) é, pois, fazer como aconselhou Drummond: “Chega mais perto e contempla as palavras./ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta,/ pobre ou terrível que lhe deres:/ Trouxeste a chave?”. No mais, é não se entregar nunca e tomar como advogado o que registrara, com felicidade, Rainer Maria Rilke, em sua obra Cartas a Um Jovem Poeta: “a vida tem razão em todos os casos".

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*Publicado no jornal Tribuna do Maranhão 10/12/2008.

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